Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música eu deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que eu transponho instintivamente para tudo que escrevo. Considerado, ainda em vida, o maior compositor das Américas, Heitor Villa-Lobos compôs cerca de 1.000 obras e sua importância reside, entre outros aspectos, no fato de ter reformulado o conceito brasileiro de nacionalismo musical, tornando-se seu maior expoente. Foi, também, através de Villa-Lobos, que a música brasileira se fez representar em outros países, culminando por se universalizar. Filho da dona-de-casa Noêmia Villa-Lobos e do funcionário da Biblioteca Nacional e músico amador Raul Villa-Lobos, Heitor Villa-Lobos nasce a 5 de março de 1887, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro. Além da cidade do Rio de Janeiro, Villa-Lobos reside com a família em cidades do interior do estado do Rio de Janeiro (Sapucaia) e de Minas Gerais (Cataguazes e Bicas) durante os anos de 1892-1893. Nessas viagens, conhece as modas caipiras e os tocadores de viola, que formam parte do folclore musical brasileiro e que, mais tarde, vem a universalizar-se em suas obras. Ao retornarem ao Rio de Janeiro, os Villa-Lobos transformam sua casa num ponto de encontro de nomes respeitados da época, que ali se reúnem, todos os sábados, para tocar até altas horas da madrugada. Esse hábito, que dura anos, influi decisivamente na formação musical de Villa-Lobos que, logo cedo, inicia-se na música. A partir dos seis anos de idade, aprende, com o pai, a tocar clarinete e violoncelo (este último em uma viola especialmente adaptada). Raul Villa-Lobos ainda lhe obriga a exigentes exercícios de percepção musical que incluem o reconhecimento de gênero, estilo, caráter e origem de músicas, de notas musicais e ruídos. Foi também nessa época, e graças à sua tia Fifina (que lhe apresenta os prelúdios e fugas do Cravo Bem Temperado), que Tuhú (seu apelido de infância) fascina-se pela obra de Johann Sebastian Bach, compositor que acaba por servir-lhe de fonte de inspiração para a criação de um de seus mais importantes ciclos, o das nove Bachianas Brasileiras. Ao voltar ao Rio de Janeiro, a música praticada nas ruas e praças da cidade também passa a exercer sobre ele um atrativo especial. É o ``choro'', composto e executado pelos ``chorões'', músicos que se reunem regularmente para tocar por prazer e, ainda, em festas e durante o carnaval. Tal interesse leva-o a estudar violão escondido de seus pais, que não aprovam sua aproximação com os autores daquele gênero, considerados marginais. No início dos anos 20, como conseqüência desse envolvimento com o choro, começa a compor um ciclo de quatorze obras, para as mais diversas formações, intitulado ``Choros''; nasce aí uma nova forma musical, onde aquela música urbana se mescla a modernas técnicas de composição. Com a morte de Raul Villa-Lobos, em 1899, Noêmia não consegue mais conter o filho. Em 1905, Villa-Lobos parte em viagens pelo Brasil. Visita os estados do Espírito Santo, Bahia e Pernambuco, passando temporadas em engenhos e fazendas do interior, em busca do folclore local. Em 1908, chega à cidade de Paranaguá, estado do Paraná, lá permanecendo por dois anos, tocando violoncelo para a alta sociedade local e violão para os jovens. Entre os anos de 1911 e 1912 faz parte de uma excursão pelo interior dos estados do Norte e do Nordeste. É nesse momento que conhece a Amazônia --- fato ainda não comprovado --- o que marca, segundo ele, profundamente sua obra. De volta ao Rio de Janeiro, conhece aquela com quem se casa em 1913: Lucília Guimarães. O ano de 1915 marca o início da apresentação oficial de Villa-Lobos como compositor, com uma série de concertos no Rio de Janeiro. Na época, casado com a pianista Lucília Guimarães, ganha a vida tocando violoncelo nas orquestras dos teatros e cinemas cariocas, ao mesmo tempo em que escreve suas obras. Os jornais publicam críticas contra a modernidade de sua música. Anos mais tarde, o compositor faz questão de explicar: Não escrevo dissonante para ser moderno. De maneira nenhuma. O que escrevo é conseqüência cósmica dos estudos que fiz, da síntese a que cheguei para espelhar uma natureza como a do Brasil. Quando procurei formar a minha cultura, guiado pelo meu próprio instinto e tirocínio, verifiquei que só poderia chegar a uma conclusão de saber consciente, pesquisando, estudando obras que, à primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, estado por estado, floresta por floresta, perscrutando a alma de uma terra. Depois, o caráter dos homens dessa terra. Depois, as maravilhas naturais dessa terra. Prossegui, confrontando esses meus estudos com obras estrangeiras, e procurei um ponto de apoio para firmar o personalismo e a inalterabilidade das minhas idéias. No Brasil do início do século XX, a influência européia (mais especificamente, francesa) e a permanência do espírito conservador do fim do século XIX incomodam a juventude, que começa a reagir a tudo isso. Surge, então, um movimento chamado Modernista que, em fevereiro de 1922, é oficializado em São Paulo, através da Semana de Arte Moderna. Atividades de vários campos da arte são apresentadas no Theatro Municipal daquela cidade. Convidado por Graça Aranha, Villa-Lobos aceita participar dos três espetáculos da ``Semana'', apresentando, dentre outras obras, as Danças Características Africanas. Já bastante conhecido no meio musical brasileiro, alguns de seus amigos começam a incentivá-lo a ir à Europa, e apresentam à Câmara dos Deputados um projeto para financiar sua ida a Paris. Em meio a protestos que condenam a iniciativa, a proposta é aprovada e Villa-Lobos parte, em 1923, para o que seria sua primeira viagem ao Velho Continente. Ao chegar, Debussy --- uma de suas grandes inspirações --- já não é mais vanguarda, e artistas e intelectuais da efervescente capital francesa voltam seus olhos e ouvidos para os compositores russos, como Igor Stravinsky, que fazem música original, moderna e de caráter nacionalista. Desconhecido, Villa-Lobos começa a entrar no ambiente artístico parisiense através de Tarsila do Amaral e de outros artistas plásticos brasileiros; Arthur Rubinstein --- que já o conhece do Brasil --- e o soprano Vera Janacópulos divulgam suas obras em recitais por vários países. Em função de um drástico corte no orçamento inicial solicitado, e apesar do apoio financeiro de um grupo de amigos e mecenas, Villa-Lobos se vê, em 1924, forçado a voltar ao Rio de Janeiro. Em sua chegada ao Brasil, é assim saudado pelo poeta Manuel Bandeira: Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos. Todavia uma coisa o abalou perigosamente: a Sagração da Primavera, de Stravinsky. Foi, confessou-me ele, a maior emoção musical da sua vida.(...). Em 1927, o compositor retorna a Paris para uma temporada de três anos, desta vez em companhia de Lucília Villa-Lobos, para organizar concertos e publicar várias obras pela editora Max-Eschig, à qual é apresentado quando de sua primeira ida à França. Faz mais amigos, e artistas como Magda Tagliaferro, Leopold Stokowski, Maurice Raskin, Edgar Varèse, Florent Schmitt e Arthur Honneger freqüentam sua casa e participam das feijoadas dos domingos. A partir dessa segunda temporada na capital francesa, ganha prestígio internacional, apresentando suas composições em recitais e regendo orquestras nas principais capitais européias. Causa forte impressão no público e na crítica, ao mesmo tempo em que provoca reações por suas ousadias musicais. No segundo semestre de 1930, Villa-Lobos --- a convite --- retorna ao Brasil, provisoriamente, para a realização de um concerto em São Paulo. Contudo, não prevê que, neste seu retorno, está inaugurando um novo capítulo em sua biografia. Villa-Lobos preocupa-se com o descaso com que a música é tratada nas escolas brasileiras e acaba por apresentar um revolucionário plano de Educação Musical à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A aprovação do seu projeto leva-o a mudar-se definitivamente para o Brasil. Em 1931, reunindo representações de todas as classes sociais paulistas, organiza uma concentração orfeônica chamada ``Exortação Cívica'', com a participação de cerca de 12 mil vozes. Após dois anos de trabalho em São Paulo, Villa-Lobos foi convidado oficialmente por Anísio Teixeira, então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, para organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), que introduz o ensino da música e do canto coral nas escolas. Como conseqüência do seu trabalho educativo, embarca para a Europa, em 1936, como representante do Brasil no Congresso de Educação Musical em Praga. De retorno ao Brasil, ainda em 1936, une-se à sua secretária, Arminda Neves d'Almeida. Com o apoio do então presidente da República, Getúlio Vargas, organiza concentrações orfeônicas grandiosas que chegam a reunir, sob sua regência, até 40 mil escolares, e, em 1942, cria o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, cujos objetivos são: formar candidatos ao magistério orfeônico nas escolas primárias e secundárias; estudar e elaborar diretrizes para o ensino do canto orfeônico no Brasil; promover trabalhos de musicologia brasileira; realizar gravações de discos etc. Irei aos Estados Unidos somente quando os americanos quiserem me receber como eles recebem a um artista europeu, isto é, em razão das minhas próprias qualidades e não por considerações políticas. Apesar dessa resistência inicial --- é o momento da chamada ``política da boa vizinhança'' praticada pelos EUA com aliados na 2ª Guerra Mundial ---, Villa-Lobos, convencido pelo maestro Leopold Stokowski, aceita o convite do maestro norte-americano Werner Janssen para uma turnê pelos EUA, em 1944. A partir daí, retorna àquele país várias vezes, onde rege e grava suas obras, recebe homenagens e encomendas de novas partituras, além de estabelecer contato com grandes nomes da música norte-americana, fechando, assim, o ciclo de sua consagração internacional. Villa-Lobos morre de câncer, em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro. Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado o fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então percebia que era música, sempre fora música. Crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada quando Villa-Lobos morreu. Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, sem esperar resposta. O ciclo de obras mais conhecido de Villa-Lobos é o das nove Bachianas Brasileiras, escritas entre 1930 e 1945, onde o compositor intencionou construir uma versão nacional dos Concertos de Brandemburgo, usando ritmos ou formas musicais de várias regiões do Brasil. Essa intenção é clara nas Bachianas n° 1, para conjunto de violoncelos, dividida em três movimentos: Introdução (Embolada), Prelúdio (Modinha) e Fuga (Conversa). Todos os movimentos das Bachianas, inclusive, receberam dois títulos: um bachiano, outro brasileiro. São trechos famosos de Bachianas a Tocata (O Trenzinho do Caipira), quarto movimento das n° 2; a Ária (Cantilena), que abre as de n° 5; o Coral (O Canto do Sertão) e a Dança (Miudinho), ambos nas n° 4. Outra série de obras é a dos Choros, escritos entre 1920 e 1929, que vão desde o número um, para violão solo, até o décimo quarto, para orquestra, banda sinfônica e coro, cuja partitura foi perdida (bem como foi a dos volumosos Choros n.º 13, para duas orquestras e banda). A Introdução aos Choros e os Choros Bis (que são uma única peça) não são numerados como os outros catorze, sendo classificados extra-série. O de número dez é o mais aclamado de todos; escrito para coro e orquestra, culmina num grande ``samba-enredo sinfônico'', contrapondo a melodia da canção Rasga o Coração, de Anacleto de Medeiros (gravada na época por Vicente Celestino) a um acompanhamento coral bem ritmado de onomatopéias supostamente indígenas (mas inventadas por Villa-Lobos) e a uma bateria marcada revezadamente por ganzá, tamborim, reco-reco, cuíca e similares de escola de samba. As doze sinfonias de Villa-Lobos foram escritas ao longo de sua carreira e são consideradas obras sem consistência orquestral, à exceção da n.º 10 (Sumé Pater Patrium, em cinco movimentos, sobre poemas do catequizador jesuíta espanhol José de Anchieta e escrita para o quarto centenário da cidade de São Paulo). Seus concertos também são tidos como peças menores no conjunto da obra, exceto o para violão, integrado ao repertório internacional do instrumento --- solicitado e, então, mundialmente divulgado pelo maior virtuose do instrumento: o espanhol Andrés Segovia. Igualmente belo, mas de escrita simples, é o para harpa, executado pela primeira vez por Nicanor Zabaleta, também espanhol e também grande expoente de seu instrumento. Os outros concertos foram compostos para piano (cinco), violoncelo (dois) e um raríssimo para gaita de boca, além de um Grosso --- para flauta, clarineta, oboé e fagote, de 1959. As óperas de Villa-Lobos também confirmam que as formas tradicionais de composição não eram preferidas nem dominadas pelo compositor brasileiro, que escreveu sete: Aglaia (1909), Comédia Lírica (1911, partitura perdida); Elisa (1919); Izath (1912-1914); Jesus (1918) e Malazarte (1924, perdida). A única lembrada (e raramente) é Yerma (1955-1956), baseada na peça de teatro homônima de Frederico Garcia Lorca. Magdalena (1947) é chamada de aventura musical em dois atos, e foi uma encomenda do empresário Edwin Lester, da Los Angeles Civic Light Opera ao compositor, para que ele (a exemplo do que já fora feito por terceiros com a obra de Borodin para o musical Kismet), compusesse um musical baseado em obras de sua autoria. Villa-Lobos não só se utilizou de temas originais, como rearranjou temas folclóricos por ele já utilizados em sua produção. Seus dezessete quartetos de corda, ao contrário, estão entre os mais bem inventivos e bem construídos do século XX, provas do domínio da forma de composição e dos recursos dos instrumentos. O violão solo era o instrumento preferido do compositor, ao lado do violoncelo - que aprendera na infância e lhe dera algum sustento na juventude. Com isso, os cinco Prelúdios, doze Estudos, a Suíte Popular Brasileira e os Choros n° 1 se tornaram peças obrigatórias do repertório violonístico clássico mundial. De um repertório de mais de mil composições, escritas ao longo de sessenta anos, as peças para piano constituem boa parte dele. A primeira mulher de Villa-Lobos era pianista, e a amizade com o polonês Arthur Rubinstein o impulsionaram a escrever bastante para o instrumento. Daí surgiram criações magníficas, tais como o Rudepoema (peça livre, com duração de mais de vinte minutos), o dificílimo Ciclo Brasileiro, os Choros n.º 5 (chamados de Alma Brasileira) e o didático Guia Prático, baseado em canções de roda infantis. Os concertos para piano não tiveram tanto sucesso quanto as (praticamente consideradas) fantasias concertantes que escreveu para o instrumento. O Momoprecoce, as Bachianas n.º 3 e os Choros n° 11 são os mais significativos exemplos. Das obras para cinema, destacam-se as quatro suítes de O Descobrimento do Brasil (1937), desenvolvidas a partir da trilha sonora para o filme de mesmo nome de Humberto Mauro, e a suíte A Floresta do Amazonas (1959), também baseada numa trilha escrita originalmente para filme (Green Mansions, da MGM). Esta foi uma das últimas obras de Villa-Lobos, da qual regeu a primeira gravação e que contou com o retorno de Bidu Sayão aos estúdios, excepcionalmente em consideração ao compositor. 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